Moradia digna

Quando apenas a casa não basta

Problemas internos e carência de serviços públicos frustram expectativas de pelotenses beneficiados com moradias populares

Carlos Queiroz -

A cena é sempre emocionante. A cada entrega de casas populares, centenas de famílias enxergam nas chaves do imóvel a realização de um sonho e o começo de uma nova vida. Além da conquista do lar, a comemoração é também por deixar para trás as agruras de, em muitos casos, morar em áreas de risco e sem infraestrutura. Porém, com o tempo passando muitos beneficiários descobrem que a mudança de endereço não significa necessariamente tranquilidade.

Durante uma semana, o Diário Popular esteve em alguns dos residenciais do Minha Casa, Minha Vida em Pelotas voltados à faixa 1 do programa - famílias com renda bruta de até R$ 1,8 mil. Dividida em duas partes, a reportagem aponta o que viu e ouviu ao andar pelas casas e apartamentos e conversar com os moradores que se dispuseram a falar - já que em alguns casos é difícil até encontrar quem se anime a relatar a situação.

Hoje (15) você confere as impressões das famílias com relação aos serviços públicos previstos para o entorno das moradias e que deixam claras as dificuldades enfrentadas quando se trata de abastecimento de água, acesso a saúde e educação, segurança e outros direitos básicos. Na edição de amanhã, um retrato dos problemas internos destes condomínios e o que dizem autoridades e responsáveis sobre a habitação popular na cidade.

Insegurança dentro e fora
“Tive que sair. Fui agredida e ameaçada, não tive condições de continuar lá com minhas filhas. Há muita gente que não deveria estar lá.” O relato é de uma mulher contemplada com um dos 240 apartamentos do Residencial Acácia. Entregue em junho do ano passado no Corredor do Obelisco, junto a outras 240 unidades do Azaleia, o local é considerado inseguro por muitas famílias. Ainda assim, o silêncio predomina. “Alguns estão indo embora, pois não suportam tanta baderna. Já pediram ajuda para a Secretaria de Habitação e ninguém se manifesta”, aponta a moradora que pede para não ser identificada.

Preocupações que se repetem também longe dali. No Residencial Buenos Aires, entregue em 2013 na avenida Fernando Osório, um homem foi espancado em dezembro por uma dívida de R$ 25,00. Segundo testemunhas, mesmo diante dos telefonemas, nem polícia nem Samu chegaram ao local a tempo de impedir a morte. “Foi mais de uma hora até aparecer alguém”, conta uma senhora que também pede anonimato. A violência dentro e fora dos muros fez com que o síndico Leandro Borges, 38, pedisse socorro à Secretaria de Segurança Pública. “Não se vê policiamento na região. Conversamos com o secretário, mas até agora nada mudou”, diz, citando os repetidos assaltos na parada de ônibus da entrada do residencial.

Próximo ao aeroporto, nas Três Vendas, o Loteamento Eldorado também tem famílias sob permanente tensão. A ponto de “recomendarem” à reportagem o período da manhã para a conversa. “É muito bom que vocês falem sobre a nossa realidade e nessa hora é mais tranquilo. Depois de um certo horário não dá mais para sair na rua”, protesta a dona de casa Elisabete Soares, 39. A insegurança prejudica até serviços como recebimento de encomendas ou compras. No Jardim Europa, os relatos de quem mora no Residencial Haragano, são de entregadores que se negam a ir até o local temendo assaltos.

E se engana quem pensa que o medo está apenas nos condomínios mais antigos. Recém-inaugurados, no dia 20 de dezembro, os conjuntos Amazonas e Roraima, no Sítio Floresta, já foram invadidos na semana passada por jovens que romperam a tela.

Muita gente, pouca ficha
“E a saúde?” Basta fazer essa pergunta em qualquer um dos condomínios visitados pela equipe do DP e a resposta não irá variar muito. Em geral, a bronca está nas poucas fichas para atendimento médico nos postos. “O Cohab Pestano está sempre cheio. Para ser atendida tem que chegar de madrugada e esperar uma ficha. O do Caic [Caic Pestano, administrado pela Universidade Católica de Pelotas] é mais perto, mas não atende porque dizem que não é nossa área”, queixa-se a catadora de materiais recicláveis Ilca Amaro, 61, que vive na Rua 3 do Eldorado.

De acordo com uma funcionária da unidade de Estratégia Saúde da Família (ESF) Cohab Pestano, falta pessoal e espaço. “O trabalho aumentou, mas não as equipes e nem a estrutura física. É um posto pequeno e nunca recebeu ampliação. Continuamos com a mesma estrutura, só que fazendo mais de cem atendimentos diários”, conta. Segundo ela, originalmente o ponto deveria ser referência apenas aos apartamentos do Pestano. No entanto, a prefeitura ordenou que passasse a cobrir também o Eldorado. “Atendemos como livre demanda, tirando fichas, sem serviços de ESF - como acompanhamento das crianças, visitas dos agentes de saúde. Isso eles não têm”, completa.

Quem precisa de consulta no Haragano tem que disputar as poucas vagas diárias e superar o medo de assaltos. “Tem que amanhecer no posto da Salgado Filho. E quem se anima a sair de madrugada para a fila?”, questiona a aposentada Catarina Maia, 59.

Com os novos Roraima e Amazonas, a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Sítio Floresta saltará de uma cobertura de 5,2 mil pessoas para mais de sete mil. O que preocupa os profissionais que realizam o atendimento. Conforme eles, será necessária uma ampliação do prédio e das equipes. Para dar conta da demanda, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) promete transformar a UBS Cohab Lindoia em Unidade Básica de Atendimento Imediato (Ubai), com mais espaço e funcionários.

Água fraca, saneamento problemático
Outro problema que se manifesta no Eldorado é a falta de água. São constantes os desabastecimentos entre a tarde e a noite. Em muitas das casas do loteamento, mangueiras ficam conectadas à torneira do pátio. “Não tem pressão para subir na caixa e chegar nas torneiras da casa. Ou a gente usa chuveiro na madrugada ou dá jeito com a mangueira mesmo. É um absurdo e nada se resolve”, conta Elisabete.

Sem hidrômetros, quem vive no loteamento ainda reclama da alta conta para o padrão de renda. O caso de dona Ilca chama a atenção. Entre a venda de garrafas PET e faxinas, não tem mais de R$ 400 de renda mensal. Mesmo assim, paga R$ 95 de conta e possui cobrança judicial de R$ 5,6 mil. “Não usei isso. Nem relógio para marcar o que consome existe. Eles pensam o quê? Não tenho como pagar isso!”, exalta-se.

Assim como no Eldorado, também os alagamentos são comuns em outros residenciais. “A água sobe e entra nas casas a cada chuva mais forte. Já olhamos a nossa parte interna e o Sanep veio algumas vezes no lado de fora. Continua sempre igual”, relata Daura Regina Medeiros, 58, síndica do Haragano.

Um gasto a mais para estudar
Mesmo sendo habitações para famílias de baixa renda, a falta de vagas em escolas próximas obriga alguns pais a usar parte significativa da renda para o transporte dos filhos às aulas. Sem conseguir matricular as filhas Talissa, 8, e Yasmin, 6, em educandários mais próximos ao Buenos Aires, Juliana Borges, 29, gasta R$ 300,00 com a van para as pequenas. “Se fazem o condomínio do Minha Casa, Minha Vida sabendo a realidade de quem vai viver nele, deveria ter escola para todos perto”, dispara. A Escola Estadual de Ensino Fundamental Jardim de Allah fica a apenas 400 metros, mas é pequena e não dá conta. Com isso, as opções são a Machado de Assis, a dois quilômetros, ou a Santo Antônio, a Professora Daura Pinto e a Antônio Ronna, todas elas a pelo menos cinco quilômetros do residencial.

Mas é a falta de Educação Infantil no Eldorado a que mais provocou indignação dentre os empreendimentos visitados pela reportagem. Promessa desde a construção do loteamento, a obra foi interrompida em 2015 e os materiais todos furtados. Só ficou o terreno, vazio. A opção mais próxima, dizem as moradoras, é a Escola Frederico Ozanam. Dona Ilca, a mesma que reclama da falta do posto de saúde, diz que por sorte sua neta está matriculada. “Tem mãe aqui que não consegue vaga em creche por perto. Vai fazer o quê?”, diz.

Mesmo sendo habitações para famílias de baixa renda, a falta de vagas em escolas próximas obriga alguns pais a usar parte significativa da renda para o transporte dos filhos às aulas. Sem conseguir matricular as filhas Talissa, 8, e Yasmin, 6, em educandários mais próximos ao Buenos Aires, Juliana Borges, 29, gasta R$ 300,00 com a van para as pequenas. “Se fazem o condomínio do Minha Casa, Minha Vida sabendo a realidade de quem vai viver nele, deveria ter escola para todos perto”, dispara. A Escola Estadual de Ensino Fundamental Jardim de Allah fica a apenas 400 metros, mas é pequena e não dá conta. Com isso, as opções são a Machado de Assis, a dois quilômetros, ou a Santo Antônio, a Professora Daura Pinto e a Antônio Ronna, todas elas a pelo menos cinco quilômetros do residencial.

Mas é a falta de Educação Infantil no Eldorado a que mais provocou indignação dentre os empreendimentos visitados pela reportagem. Promessa desde a construção do loteamento, a obra foi interrompida em 2015 e os materiais todos furtados. Só ficou o terreno, vazio. A opção mais próxima, dizem as moradoras, é a Escola Frederico Ozanam. Dona Ilca, a mesma que reclama da falta do posto de saúde, diz que por sorte sua neta está matriculada. “Tem mãe aqui que não consegue vaga em creche por perto. Vai fazer o quê?”, diz.

Transporte satisfatório
Se há um ponto onde as queixas nos condomínios populares são mais comedidas, este é o transporte coletivo. Segundo a maioria das pessoas ouvidas, o serviço dá conta da demanda, mesmo com algumas falhas.

Para o síndico do Buenos Aires, a reclamação mais frequente dos moradores é do intervalo entre um ônibus e outro. Coincidentemente ou não, na quarta-feira (3), durante o tempo em que a reportagem esteve no residencial, moradores permaneceram na parada aguardando por um coletivo por pelo menos meia hora. “Isso acontece com frequência. E não é difícil passarem aqui e assaltar”, relatou uma senhora à espera.
No Eldorado, aparece a insegurança nos ônibus. Segundo usuários, são cotidianos assaltos ou apedrejamentos que, não raro, causam atrasos. “Quando isso acontece nunca mandam outro para substituir. Quem precisa fica parado esperando até que o do próximo horário passe. E quase sempre lotado nos horários de pico”, lamenta Isabel Lima, 52, funcionária de uma empresa de limpeza.

A lotação é apontada ainda no Sítio Floresta com o aumento da demanda provocada pelas famílias dos novos condomínios. “Continua a linha normal. Os ônibus estão mais cheios e tem mais gente para pegar para o trabalho, para o Centro. Tudo é longe e depende do transporte”, aponta a autônoma Daniela Vargas, 37. Bem diferente da avaliação das famílias do Haragano. Por lá, os elogios são grandes à quantidade de linhas disponíveis e à ausência de lotação.

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